06 julho 2006

Mestiçagem

Meus jovens Sónia e Gorane

É sempre gratificante voltar ao vosso seio.
Sou misto, como sabeis, filho único de uma bela mãe ronga das bandas de Catuane e de um pai português que tinha uma cantina para os lados de Nicoadala, na Zambézia.
Da minha mãe ronga recebi uma bela e variada cultura, de muitos contactos e famílias, dela herdei a crença nos espíritos e a veneração por eles.
Do meu pai recebi também uma bela e variada cultura, mas mais individualista, dele tenho o respeito e a veneração pelo deus católico.
Por outras palavras, a minha condição racial de misto tem agregada a minha condição cultural de ser híbrido, de reservatório de várias culturas. Costuma-se dizer que os mistos não são nem café nem leite, mas eu sinto-me profundamente café-leite ou café e leite ao mesmo tempo.
O que pretendo com tão longa introdução?
O que pretendo é chamar a vossa atenção para o risco de querermos dar uma natureza absoluta a estados como “africano”, “europeu”, "direito negro", etc.
De facto, se quisermos ser justos e abertos e evitarmos a redução sempre cheia de riscos do naturalismo, poderemos verificar que toda a história africana é uma história de profundas mestiçagens, uma avenida cheia de caminhos vicinais que a ela chegam e dela saem, um sistema de diástole e sístole permanentes. Todos os modernos estudos antropológicos e históricos confirmam isso.
Cumprimento-vos carinhosamente.

Geraldo dos Santos